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quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Opinião: As tênues fronteiras do sensacionalismo


Por João Jose Forni, publicado originalmente na Brasília 247

A MORTE DO DITADOR MUAMAR KADAFI LEVOU PARA AS PRIMEIRAS PÁGINAS DOS JORNAIS DE TODO O MUNDO A FOTO DO CADÁVER DO DITADOR DA LÍBIA



A morte do ditador Muamar ditador Muamar Kadafi levou para as primeiras páginas dos jornais de todo o mundo e para a abertura de sites dos jornais e portais a foto do cadáver do ditador da Líbia. A exposição crua de Kadafi desfigurado suscitou uma discussão sobre os limites da divulgação de fotos sensacionalistas, principalmente quanto à tênue linha que separa jornalismo, a obrigação de informar, e o sensacionalismo puro e simples.

Sob esse aspecto, o jornal espanhol El País, considerado um dos melhores do mundo, fez uma interessante reflexão, exatamente por ter recebido críticas pela publicação escancarada da foto do cadáver de Kadafi. "O problema do sensacionalismo é que não tem fronterias bem definidas. Enquanto uma imagem pode ser aceitável por um leitor, outro pode considerá-la de uma morbidade intolerável", diz Milagros Pérez Oliva, na coluna de opinião do jornal.

Todos concordam que as fotos e os vídeos publicados sobre a captura de Kadafi são de extrema violência. Muitos jornais minimizaram a publicação, utilizando na primeira página fotos alternativas, das comemorações ou do cenário da captura. Até que ponto os editores do El País justificam a publicação na primeira página?

Ricardo Gutiérrez, redator-chefe de Fotografia do jornal espanhol, assegura que nem ele, nem os demais responsáveis do diário tiveram a mínimia dúvida: o valor informativo era inquestionárvel. A única dúvida surgida foi sobre a autenticidade, pois a imagem não era de todo nítida e as mesmas fontes haviam anunciado tempos atrás a captura de um dos filhos do coronel, fato que depois se confirmou inverídico. Por isso, o jornal tomou essa precaução.

Leitores da Espanha e do exterior reclamaram da cara de Kadafi morto ocupando a página principal do site do jornal. "A imagem é bastante desagradável, e sei que é parte de uma notícia e, portanto, devem publicá-la, mais estou seguro de que muitos leitores agradeceriam uma advertência sobre a violência do conteúdo", disse Álvaro Corral Matute, leitor de Londres. "Não posso evitar, me causa repulsa encarar a foto do ditador morto, ensangUentado e com a aparência mórbida do cadáver. A crueza da morte não deveria aparecer na capa do periódico", disse José Fuentes, leitor espanhol.

O editorialista do El País, diz que "Vivemos numa sociedade na qual tudo o que ocorre acaba registrado e tudo pode ser transmitido ao mundo de uma forma instantânea, de modo que o dilema de publicar ou não esse tipo de imagem aparece cada vez com mais frequência. À medida que aumentou a circulação de imagens escabrosas, se incrementou também a tolerância, tanto entre os editores como entre os leitores. Porém, sempre haverá leitores que não estão de acordo".

Mas, segundo os editorialistas do El País, como as fronteiras do sensacionalismo são imprecisas, ao receber as primeiras queixas, o jornal quis comprovar que tratamento estavam dando a essas imagens, na tarde de quinta-feira, quando a morte do ditador virou notícia, os websites e primeiras páginas de outros jornais de referência mundial.

Na imprensa britânica, The Guardian colocava a foto de Kadafi na abertura do site, mas com um tratamento reservado: a foto do cadáver era a primeira de um mosaico de quatro que, em conjunto, ocupava um espaço mais discreto. The Times, de Londres, mostrava na capa do site uma foto grande de Kadafi, ainda vivo, porém ensanguentado, e remetia a uma galeria de imagens na qual havia a controvertida foto do cadáver.

O The Independent, de Londres, abria também sua edição digital com a notícia, porém não trazia a foto de Kadafi na abertura. Na notícia, no interior do site, incluía uma imagem do coronel morto, dentro de uma galeria com outras imagens. Na edição impressa trazia quatro imagens da morte de Kadaffi. O Daily Mail ocupava toda a capa da edição impressa com a foto do ditador, ainda vivo, ferido. O francês Le Monde abria com uma grande foto na abertura do site, porém não era do coronel morto, mas de um jovem que exibia um pôster com a imagem do ditador morto; era uma forma muito indireta de mostrar o cadáver, diz Milagros Pérez Oliva. O La Repubblica, na Itália, mostrava na capa duas grandes fotos, de um jovem exibindo a pistola de Kadafi e outra do cadáver.

No outro lado do Atlántico, analisa o El País, o The Washington Post não trazia fotos do ditador na capa, nem vivo nem morto. A notícia remetia, mediante um link, a vídeo de sua captura e a uma galeria de fotos, entre as quais havia uma do cadáver. "E o que fazia o The New York Times, o diário de referência dos demais jornais do mundo? Nesse momento da notícia da morte de Kadafi abria também sua edição digital, e como o El País, encabeçava o portal com uma galeria de fotos. Porém a que aparecia fixa no primeiro lugar não era a do coronel morto, mas uma que mostrava o júbilo dos rebeldes.

Na galeria, a foto do cadáver figurava em último lugar e quando o leitor ia acessá-la, aparecia uma advertência de grandes caracteres: "A foto que segue é uma imagem do que se diz que é o cadáver de Kadaffi". Que diferença em relação aos demais jornais! Daí por que o New York Times seja sempre uma referência para o jornalismo mundial.

O articulista conclui dizendo que "não há dúvida de que em casos tão notórios como este, se produz um fenômeno de contágio: que sentido tem deixar de publicar uma imagem que circulará pela internet e será reproduzida em todas as televisões? Precisamente porque esse fator "de manada" joga em favor do sensacionalismo, é importante que os diários rigorosos tenham critérios estáveis com que ater-se. A primeira fronteira está clara: o valor informativo deve prevalecer sobre a capacidade do impacto. Neste caso, a imagem de Kadaffi morto pertence à mesma categoria do cadáver do ditador romeno Nicolae Ceausescu, derrubado em 1989, ou a do corpo de Benito Mussolini, pendurado pelos pés numa praça de Milão, depois de ser executado em 1945".

El País, como de resto os jornais brasileiros também fizeram, diz que os editores dos diários mencionados coincidiram no entendimento de que o valor informativo da imagem justificava sua publicação. Porém nem todos a colocaram na capa ou front-page dos sites e nem todos deram-lhe o mesmo tratamento.

Disso se deduz que a fronteira do sensacionalismo se situa, nestes casos, na medida, nos detalhes. Vários destes diários aplicaram neste caso um critério implícito: que o leitor não seja surpreendido com uma imagem tão desagradável, mas, que possa acessá-la, se quiser vê-la. Segundo Milagros Pérez Oliva, "o The New York Times é que aplicou esse critério de forma mais requintada".

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